segunda-feira, 30 de junho de 2014

O "nós" como meio






























Desejos vetorizados - ainda não concretizados; escritos, lidos, pouco vividos. A dificuldade do exercício do óbvio: do desapego do próprio querer em nome do "querer-fazer junto". Reconhecer que não existe gentileza, amor, beleza se não há quem as gere, doe, receba, sinta, distribua.
Obviedades isoladas podem ser interpretadas como sintomas de loucura.
Que se libertem das vigas e em nós ganhem vida.

sexta-feira, 27 de junho de 2014

Proposta 

"Eu quero uma casa no campo"
 
Construamos a realidade recorrente no nosso sono. Que a façamos gritar, que lhe imprimamos cores ácidas e a vivamos por inteiro, a cada pílula, a cada instante. Diluamos as cores em água e tinta branca, equilibremos a força e a acidez inventando matizes, dinâmicas, texturas. Construamos então a nossa casa - aquela que habitava paralelamente nossos sonhos - e dilatemos, a cada dia, a alegria do encontro.

quinta-feira, 26 de junho de 2014

Túnel em São Paulo, 2005.
tantos pés, tantos caminhos
tão pouco tempo
tanta sede, tanta água
tão pouca vontade
meus pés frios na água suja
de tantos dejetos e pisares
e o pesar de que o caminho
pra pouca vontade
é impossível de percorrer a pé.

(a pé) o suor que percorre o corpo é frio
no rosto, pescoço, mãos.
dois pés oprimidos e uma cabeça esvaziada
percorrem lugares estrangeiros.
Se aquelas paredes,
escadas cheias de lodo,
móveis com cheiro de mofo
fossem vistos e sentidos
junto com aquela constante sensação de não pertencimento
e aquela vontade de evaporar para nunca mais chover!

(Goiânia, 7 de dezembro de 2005)







quarta-feira, 25 de junho de 2014

Touch skin


Por Banksy

Devolvam-me a paciência e a coragem de olhar nos olhos. E a crença resignada de que o médico já vai chamar, o engarrafamento em breve se desfaz, o namorado logo chega. Restituam-me o intervalo para ler as notícias, terminar o livro, compor, conversar sem saber de antemão o que se passa na vida alheia. A opção de estar perdido na rua. E a vontade do esforço de simplesmente esperar, olhando o teto, as pessoas, seus sapatos, os insetos na ante-sala.

Eu quero a espera, o prazer da surpresa. Ter que sair de casa para descobrir o que se passa, pedir informação na rua a qualquer desconhecido. Abandonar a mão equipada para olhar ao redor: quero a paisagem e o toque caloroso.

Menos touch screen. Mais touch skin.

terça-feira, 24 de junho de 2014


Muffins mofados


Te conheci naquele sarau em Porto Alegre. Bebi com sofreguidão todas as suas palavras. Era uma carta endereçada a alguém que um dia você amou. Um trecho, apenas, sem título, sem página, início ou fim. A deixa era aquela, as palavras caindo e eu tentando resgatá-las, ao mesmo tempo protegendo o arrebatamento que era só meu.
Te procurei nas prateleiras. Abri todos os seus arquivos em pesquisas cegas, buscando coisas de que não me lembrava mais. Morangos mofados, talvez fosse esse, uma memória inconsciente ou um simples palpite. Edição esgotada, o rapaz distraído sorria, sem se dar conta do peso trágico daquela notícia.
Fui para casa com o Inventário do Ir-remediável, grandes manchas no miolo, capa desgastada de uma edição quase artesanal. Eu, que queria Morangos, não digeri muito bem o Inventário, nem da primeira vez, nem da segunda.
Depois de alguns anos fiz um limpa na estante. Nova chance de te conhecer, por outras vias, em outro lugar, sem esperar por morangos, cartas ou arrebatamentos em saraus. Você se mostrou sensível, dramático e amargo. Te coloquei no lugar sem tanta comoção.
Até que um dia te levaram com o meu consentimento. Te devolvo em breve, me garantiu o amigo no e-mail. Aí descobri que me fazia falta. O capricho de querer te ver de novo quando não poderia era um incômodo. Em uma nova mensagem, aquele meu amigo, que te tornara objeto de tese, me fazia uma oferta que talvez julgasse tentadora, para que pudesse te levar para sempre. Não só disse não como pedi para que te devolvesse o quanto antes. Outras ofertas depois, ele desistiu, me devolveu você, com a capa ainda mais detonada e o miolo mole e úmido, desculpando-se da queda na sarjeta enquanto chovia. Não importava, você estava de volta.
Te levei pra passear na mochila. À espera de alguém, nos encontramos novamente. Os muffins vieram faltando apenas uma página. A cobertura de morango era doce demais para o meu paladar, que havia se acostumado com sobremesas mais amargas. Terminei o café (sem açúcar) e a página, tentando apaziguar aquela epifania.

(para Caio Fernando Abreu)

segunda-feira, 23 de junho de 2014

Banho de sal grosso



Limpei a casa, acendi velas e incenso. Salguei todos os cantos da casa e do corpo, engoli um copo, deixei pitadas sob as pálpebras. O abismo seduz pela proximidade: "É mais fácil ser triste que alegre". A curiosidade pela obscuridade do sentir, tantas vezes mais magnética, interessante e inspiradora que a vontade de equilíbrio. Mantra melodramático do homem ocidental travestido de louvação e exigência de romantismo. Um samba-exaltação do sofrimento e da vítima em dó maior, com letra suicida e melodia festiva. Ser vítima descolore e obstrui; sofrer cansa.
A corda bamba requer vontade, força e disposição. Disciplina, praticar o equilíbrio. Tantas modalidades olímpicas dependentes dele. Antes disso: tanta vida. Saber que a queda é provável e esperada e mesmo assim atirar-se, levantar, forçar as fraturas. Perdoar-se pelos erros e despedir-se deles, até o reencontro na próxima estação. Sentir que não seremos os mesmos - de qualquer modo não seríamos. E lembrar que sem os erros morreríamos também, de euforia e depois de tédio.

sexta-feira, 20 de junho de 2014

Garimpo



















A peneira balança.
Ficam as joias, em sua solidão, brutalidade e mistério.
Lama e pedregulhos escorrem pelos furos, levados rapidamente pela força da correnteza.
Os detritos mais inconvenientes e pesados,
aqueles que insistem em ficar,
são descartados pela força e vontade do homem.
Tão importantes, as impurezas todas.
Pela efemeridade ou pela insistência
que se afoga e se esvai diante da perene beleza.

quarta-feira, 18 de junho de 2014

Amor de um (para o Todo)

Por: Banksy

Amor pleno, encarnando-se, não se encana. Não se canaliza; contagia. Não aguarda resposta, simplesmente é grato por existir. Não se tem ou se consome, acontece. Não é palpável, mas faz doer. É quando ele nos lembra: somos frágeis. Desencarna-se no desapego, no abandonar dos pesos, quando o passado é passado e o presente é o que se tem. E então torna-se divino, posto que o destino é incerto. Mas é certo que esse amor, tão difícil de sentir, uma vez vivido, será sempre devolvido a quem amou. 
(escrito em 8 de junho de 2014)

terça-feira, 17 de junho de 2014

Razão para a lágrima


Hino Nacional e pamonha goiana: coisas que tocam fundo na alma


Por causa daquele som denso e misterioso que arrepia até o meu último fio de cabelo, vindo de dentro da Amazônia. Por causa do céu estrelado do interior do Maranhão. Por causa daquela comunidade quilombola que, sob os meus olhos curiosos e marejados, viveu a sua primeira experiência com o cinema. Por me emocionar com tanta musicalidade nas falas de amigos de todos os lugares. Por causa daquele maracatu que me fez vibrar todos os ossos numa tarde de domingo em Recife. Por causa daquele sarau em Porto Alegre, daquele show em Blumenau, dos biscoitos das minhas avós. Porque eu me lembro da inocência daquele velhinho do interior de Goiás puxando assunto com a minha mãe pela janela do carro. Do peso da matula do seu Waldomiro, a caminho da Chapada dos Veadeiros. Por causa de todas as músicas que meus pais me ensinaram a cantar, de todos os livros e filmes que eu amo. Por causa daquela sensação de exílio que às vezes me aperta o peito. Porque é quando eu me dou conta de que somos 200 milhões de pessoas com tantas histórias. E com tanta esperança, apesar de tudo. Porque somos todos tão diferentes e porque isso é lindo. Por causa das pessoas do interior. Porque elas são simples e sábias. Porque meu pai é da Bahia, minha mãe, do Tocantins, e eu, de Goiás. Por tudo isso, seja qual for a ocasião - Copa do Mundo, formatura da prima, abertura dos jogos do colégio - a lágrima está lá, prestes a cair, quando eu ouço o Hino Nacional brasileiro.

 Cravo com gengibre


Cravo
Gengibre


O cravo-da-índia (Syzygium aromaticum) é uma planta medicinal conhecida por suas propriedades anti-inflamatórias, antissépticas, cicatrizantes e analgésicas.

Vegetal nativo da Ásia, o gengibre (Zingiber officinale) é uma raiz tuberosa com ação bactericida, é desintoxicante e conhecido por melhorar o desempenho dos sistemas digestivo, respiratório e circulatório. 

Cicatrização, desintoxicação, alívio, frescor. 

Digestão, respiração e circulação de ideias.

Escrever é mastigar cravo com gengibre. Lentamente.
Bem-vindos.