segunda-feira, 23 de junho de 2014

Banho de sal grosso



Limpei a casa, acendi velas e incenso. Salguei todos os cantos da casa e do corpo, engoli um copo, deixei pitadas sob as pálpebras. O abismo seduz pela proximidade: "É mais fácil ser triste que alegre". A curiosidade pela obscuridade do sentir, tantas vezes mais magnética, interessante e inspiradora que a vontade de equilíbrio. Mantra melodramático do homem ocidental travestido de louvação e exigência de romantismo. Um samba-exaltação do sofrimento e da vítima em dó maior, com letra suicida e melodia festiva. Ser vítima descolore e obstrui; sofrer cansa.
A corda bamba requer vontade, força e disposição. Disciplina, praticar o equilíbrio. Tantas modalidades olímpicas dependentes dele. Antes disso: tanta vida. Saber que a queda é provável e esperada e mesmo assim atirar-se, levantar, forçar as fraturas. Perdoar-se pelos erros e despedir-se deles, até o reencontro na próxima estação. Sentir que não seremos os mesmos - de qualquer modo não seríamos. E lembrar que sem os erros morreríamos também, de euforia e depois de tédio.

5 comentários:

  1. Puxa, quanta profundidade em poucas linhas! Lembrei-me quando descobri que Lacan disse que há uma espécie de gozo no sofrimento. Nada mais verdadeiro e também mais incompreensível! Por que "o abismo seduz"? Também sei do cansaço... E da necessidade de espalhar esse sal grosso a todo tempo.

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  2. Fica a pergunta, Júlia! E a curiosidade de saber as razões e os limites desse abismo, onde ele começa e termina dentro e fora da gente. Preciso ler Lacan! :)

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  3. Eu li Lacan, mas já me esqueci de muitas coisas...

    Sobre o teu texto, Geolja: gostei; escolha de palavras bem ampla e profunda sobre o exercício de exploração do nosso lado triste - e reconhecê-lo como uma parte necessária do todo.
    Fez sentido.

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  4. Obrigada, Liborenho! Assumir o lado triste faz parte de ser generoso consigo mesmo.

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